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Revisão de estudos conclui que lockdown foi um “fracasso de proporções gigantescas”


Resumo da reportagem

  • Revisão que fez triagem de 19.646 estudos, selecionando os 22 melhores, sugere que lockdowns falharam em reduzir mortes e impuseram custos sociais e econômicos significativos.
  • Lockdowns causaram efeitos econômicos devastadores, aumentaram a violência doméstica e a doença mental, e minaram a democracia liberal.
  • Decisões individuais voluntárias foram mais eficazes do que imposições governamentais na mitigação da crise da Covid-19.

Uma revisão científica feita por três economistas acerca de 19.646 estudos sobre a Covid-19 concluiu que os lockdowns foram uma política global draconiana que fracassou em reduzir de forma significativa as mortes, enquanto impôs custos sociais, culturais e econômicos substanciais. A conclusão preliminar já havia sido divulgada em janeiro de 2022, mas agora integra o livro Os Lockdowns Funcionaram?, do Instituto de Assuntos Econômicos (IEA), uma organização liberal britânica. Ao analisar os quase 20 mil estudos sobre o tema, os pesquisadores levaram em conta a qualidade da amostragem e metodológica, e a temática abordada, chegando a 22 que tratavam especificamente sobre o lockdown.

Os autores definiram lockdown como a imposição de ao menos uma intervenção não farmacêutica, como proibição de aglomerações e fechamento do comércio. O trabalho, que passou pelo crivo de pareceristas anônimos, mostra que o número de mortes evitadas foi irrisório, especialmente quando comparado às promessas que motivaram as medidas. O famoso modelo matemático de março de 2020 do professor Neil Ferguson, do Imperial College em Londres, sugeria que medidas de lockdown reduziriam as 510 mil mortes previstas no Reino Unido para 20 mil. A nova revisão estima que, em toda a Europa, as medidas evitaram apenas seis mil mortes. Para comparação, morrem cerca de 20 mil pessoas anualmente de gripe somente na Inglaterra e País de Gales.

Além disso, ao menos uma medida, a proibição de aglomerações acima de determinado número arbitrário de pessoas (no Reino Unido eram seis), foi associada a um aumentono número de mortes por Covid de 5,9%. No cenário mais otimista possível, os lockdowns reduziram em 10,7% as mortes por Covid na primavera de 2020 no hemisfério norte, quando os surtos começaram. Mais uma vez, isso corresponde a um número de mortes inferior às causadas anualmente pela gripe na Europa (72 mil) e nos Estados Unidos (38 mil).

Não foi por falta de aviso. A revisão mostra que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2019, deu nível “muito baixo” às evidências de eficácia de medidas como fechamento de escolas e ambientes de trabalho, evitar aglomerações, teste de viajantes ao entrar e sair, e fechamento de fronteiras.

Os custos dos lockdowns

Os três economistas apontam diversos estudos que concluíram que as medidas de restrição e confinamento tiveram efeitos “devastadores e extensos” sobre a atividade econômica, o desemprego, na falência de pequenos negócios, aumento da dívida pública, enormes perdas educacionais. Também aumentaram a violência doméstica e a incidência de doenças mentais, “reduziram a liberdade individual, causaram instabilidade política, fortaleceram tendências autoritárias, aumentaram a corrupção dos governos e minaram a democracia liberal”, concluem.

A descoberta deles de que houve um pequeno número de vidas salvas deve ser contrabalançada com as mortes causadas pelos próprios lockdowns. Um estudo citado concluiu que, de abril de 2020 até o fim de 2021, 97 mil americanos morreram, um número excedente comparado às tendências anteriores, por causas que não foram a Covid-19. Algumas causas imediatas apontadas são hipertensão, doença cardíaca, diabetes, obesidade, uso de drogas ilícitas e álcool. São causas que têm a ver com decisões individuais, mas, como dizem os autores, há contribuição dos lockdowns pois “tornaram mais difícil para as pessoas lidar com a pandemia”.

Comportamento voluntário é mais eficaz que imposições

De acordo com autores, nas situações em que houve mitigação da crise, isso se deveu muito mais a decisões individuais voluntárias do que a imposições de governos. “Para aqueles que valorizam a liberdade”, comentam os cientistas, “nossas descobertas são preocupantes, se não deprimentes”. Para eles, a pandemia de Covid-19 deu vazão a “algumas das maiores violações às liberdades individuais em tempos de paz na história” e essas medidas geraram “benefícios desprezíveis à saúde pública enquanto impuseram custos enormes à sociedade”. A análise custo-benefício revela “um fracasso em política global de proporções gigantescas”.

“A nossa metanálise sugere que, quando os pesquisadores levam em conta variáveis adicionais tais como o comportamento voluntário, o impacto dos lockdowns se torna desprezível”, comentou Jonas Herby, um dos autores, que atua como consultor especial do Centro de Estudos Políticos (CEPOS) de Copenhague, Dinamarca.

Os outros autores são Lars Jonung, professor emérito do Departamento de Economia da Universidade de Lund, na Suécia, ex-consultor de pesquisa da Comissão Europeia; e Steve Hanke, professor do Instituto Johns Hopkins de Economia Aplicada, nos Estados Unidos, ex-conselheiro econômico do presidente Ronald Reagan.

Na Suécia, país desenvolvido que menos impôs restrições compulsórias a seus cidadãos, os idosos, grupo mais vulnerável à doença, decidiam voluntariamente não ir a lojas e restaurantes em momentos críticos de ondas da Covid, por exemplo. Essas decisões eram sugeridas pelo governo, sem imposições e criminalizações. A Suécia terminou com o melhor resultado em excesso de mortalidade de toda a Europa.

Os autores da revisão creditam o comportamento da Suécia à sua Constituição, que diz, no artigo oitavo de seu segundo capítulo, que “todos serão protegidos em suas relações com as instituições públicas contra privações da liberdade pessoal” e “todos os cidadãos suecos terão também, em outros aspectos, liberdade de movimentação garantida no Reino e liberdade de sair do Reino” — sem exceção para emergências em tempos de paz. Além da base constitucional, têm crédito dois epidemiologistas da Agência Pública de Saúde sueca que se determinaram a ignorar clamores mundiais por lockdown: Johan Giesecke e Anders Tegnell.

Os cientistas comentam que a publicação preliminar das conclusões, em janeiro do ano passado, atraiu na maior parte atenção “negativa e repetitiva” da imprensa. Eles oferecem um apêndice do livro em que argumentam que a cobertura da imprensa foi “enviesada” e relatam que enfrentaram uma recusa sem precedentes de publicação de uma versão de seu artigo no banco de artigos preliminares SSRN (sigla em inglês para “Rede de Pesquisa em Ciências Sociais”), em julho de 2021.